sexta-feira, 27 de outubro de 2017
É à
margem desse rio que me deito. Conheço esse chão, esse cheiro de
mato. O calor que aquece o corpo sem queimar. O vento que passeia
pela pele. Observo o seu correr. Ora tranquilo, desviando pedras.
Ora impetuoso, arrastando árvores. As marés e as luas. Deusas que
guardam mistérios sob as suas águas. Turvas, profundas, doces. Ao
me olhar nesse espelho líquido, sou rainha, bruxa, mãe, filha,
mulher. Às vezes, por birra ou brincadeira, ele desfaz minha imagem
e não me reconheço. Fico prostrada, parada, perdida. E ele flui sem
mim. Vai embora e me reencontra no mar, minha casa. Mergulhamos um
no outro, nessa valsa lenta e cadenciada. Eu que sou solar e
arrebento impulsiva, entendo o poder dessa mansidão, a força dessa
calmaria. Acolho e recebo.
segunda-feira, 23 de outubro de 2017
Estilhaços de vidro. Afiados. Cato os cacos. Corto os dedos. Vou juntando os pedaços. Esboçando um desenho de mim mesma. Novo. Torto. Desalinhado. Cheio de falhas. Cheio de farpas. Caleidoscópio. Pequenos fragmentos formando um todo que ainda não é, que ainda não sou. Por enquanto, gambiarra. Engano. O riso, os gestos, as palavas doces. Enquanto um bicho selvagem preso no peito, grita. Arranha e arranca as unhas. Maltrata pra não morrer. Sufoca pra respirar. Eu finjo. E trinco os dentes pra dor passar. Não passa. Estilhaços de vidro. Afiados. Cato os cacos. Corto os dedos. Vou juntando os pedaços.
quinta-feira, 19 de outubro de 2017
Com você, desentendi o amor.
Desconstruí, desacreditei. O amor por
você. O amor por mim. O amor pelo que chamava de nós. Desatou.
Desabou, desapareceu e me derrubou. Uma rasteira. Uma faca enfiada no
coração. Mais fundo, mais fundo, mais fundo. E sangro todos os
dias. E faço desenhos bonitos num vermelho-vivo-pulsante. Desenho,
porque as palavras não cabem. A razão não cabe. Mas, tentei
entender. Tentei, eu juro. O amor por você. O amor por mim. O amor
pelo que chamava de nós. Deitada, olhando pro teto com a mente a
mais de 100km por hora. 200, 300, acelerando até a exaustão. Pra
quê? Pra decifrar você. E a mim. E ao que chamava de nós. Essa
esfinge que me devora todos os dias. Sem pausa, nem descanso. Até
quando? Te sinto onde você já foi embora.
segunda-feira, 9 de outubro de 2017
Chão
Que também é pouso. Que também é lar. Terra. Os pés bem firmes em.
Estar. Ficar. Fincar raízes. Aportar. No abraço. No abrigo. No sorriso
fácil. Na luz dourada que invade a tarde e esquenta e assenta. A poeira.
O pensamento. O coração. E os pés. No chão. Que é mato. Flor no vaso.
Amarela. Chão que é ninho. Parada. Descanso do mundo de fora. Descanso
do mundo de dentro. Sento e espero. Sinto e espero. Em paz.
sexta-feira, 15 de setembro de 2017
A sua palavra.
Peça de quebra-cabeça. Tento encaixar. Tento de novo. Teimo. Insisto. Procuro o par, desencontro. O desenho não se forma, sequer se adivinha. Uma pista, que seja, não tenho. Montanha? Nave espacial? Praia deserta? O que vejo é uma figura desfigurada. Talvez, o retrato de mim mesma. Incompleta. Incrongruente. Partida e sem conserto. Desmonto. Desfaço. Desisto. Deito, mas não consigo descansar. Me pego montando o quebra-cabeça mentalmente. Uma palavra, outra, uma peça, outra, nada se encaixa, tudo embaralha e não há cartas na mesa, além das minhas.
segunda-feira, 20 de março de 2017
Do mergulho que se dá pra dentro.
E com o corpo pintado de dourado, parou em frente ao mar. Quis ser sol. Enterrou os pés na areia, mas no vai e vem das ondas, criou raízes e virou árvore. O cabelo ao vento era um emaranhado igual ao seu coração. Fez uma oração pra Iemanjá. Fez uma oração pra força criadora de tudo que seus olhos podiam alcançar. Pedindo clareza e desembaraço. Fez o sinal da cruz, por respeito e proteção. Porque o mar não é para fracos, nem desavisados. Mergulhou até onde o ar lhe permitiu, abriu os olhos e viu o mundo do avesso, que é o lado certo, afinal. Ondulado, fluido, desfocado, meio borrado, mas refletindo luz. Feito ela. Feito todas elas. Que é uma, mas é muitas, é todas.
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017
Sobre esse cansaço.
Empurrar pedra ladeira acima. Sentar com
ela apoiada nas costas e não dormir, pra não ser atropelada por ela de volta. Vigília.
Vigília de dias, meses, anos. Os olhos ardem, o corpo dói, a cabeça lateja. E
os sentimentos não encontram mais ordem. Nem os pensamentos. Na cabeça, uma
bagunça só. E você tenta arrumar, enquanto empurra a pedra ladeira acima. Se
concentra no que dói, no que alegra, no que faz chorar, no que faz sorrir. E
chora e ri. E não sente nada, além de uma letargia, porque sentir também cansa
e você sente tudo gigante, imenso, intenso. Maior que a pedra ou, talvez, seja
a pedra que você empurra ladeira acima. Aquela história do peso do mundo nos ombros. Mas, é o
peso de uma pessoa só: você. Toneladas. Se fosse só o corpo. Mas o corpo é
pena, o que pesa é a alma de chumbo.
quarta-feira, 18 de janeiro de 2017
Um amor que é
Porque estar é pouco, estar nem chega perto.
Um amor atemporal. Sem regras, nem rédeas, feito aquele cavalo selvagem de Clarice,
a Lispector e que mora dentro da gente. De mim, pelo menos. Um amor
desgovernado, que atropela, passa por cima, sem dó, nem piedade. Mas resplandece de luz, beleza e uma riqueza tão
grandes, que a gente diz: “quero é mais”. Porque só é possível querer mais. Num mundo de
praticidades, de “não pode, não deve, não vai, não faz”, desobedece e sorri
radiante. Não tem lei. Não tem dono, rei, nem rainha. Um amor primeiro e
primitivo, que mora perto do que há de mais instintivo do ser. Um amor que grita
urgência, que é criança pequena e quer sair correndo portão afora, rua afora, mundo
afora. Um amor que fere quando não se satisfaz. E que quer mais e mais e mais.
Tem fome e devora a vida, porque não sabe estar. É um amor que
é. E sendo, precisa existir. Respirar e inspirar. Por enquanto, suspira
afobado. E sufoca, mas não morre é nunca.
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