segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Eu ouço e danço.

Primeiro.
Eu só conseguia olhar o que acontecia lá fora, em cima de um banquinho ou no colo de alguém.
As folhas do coqueiro alcançavam a varanda, eu não.
Mas, sabia que bastava atravessar a rua para ver o mar.
Lembro de ver a minha mãe saindo pra trabalhar e de sentir o coração doer de saudade pela primeira vez na vida.
Eu e a minha avó, duas choronas.
Às vezes, da varanda do apartamento ao lado, aparecia Tio Dudu ou Tia Anália e eu tinha que esconder depressa a chupeta embaixo da almofada do sofá.
O som das folhas do coqueiro.
Da vizinha chamando o meu nome.
Do choro do meu irmão.

Segundo.
Da janela do quarto, eu via o mundo que eram as papoulas lá embaixo e um horizonte de prédios.
Papoulas amarelas e vermelhas acordavam cedo, assim como eu.
À noite, eram as luzes das janelas que acendiam antes da lua.
Uma vez, vi um morto na rua da frente.
As pessoas chegavam e levantavam o lençol pra ver quem era.
A viúva chorava desesperada.
Um acontecimento.
Outro, era dia de Cosme e Damião.
O som do meu pai e minha mãe conversando até mais tarde.
Do arrastar dos chinelos da minha avó.
Do riso do meu irmão.

Terceiro.
A janela ocupava a parede inteira e eu via a Igreja da Soledade.
Muito carro, muita gente e a pessoa escolhida acenando pra mim.
Pela primeira vez, longe do mar, bem no centro da cidade.
Dali, avistava a praça, a farmácia, a padaria, a universidade.
Muito carro, muita gente e a pessoa escolhida sorrindo pra mim.
O chaveiro, o vendedor de tapetes, o lava-jato, o estacionamento.
Aos domingos, não tinha ninguém.
O som dos carros e das vozes.
Do sotaque estrangeiro
De música colombiana.

Quarto
Vejo prédio de tudo que é lado.
Um restaurante disfarçado de castelo.
Dá pra acompanhar a vida alheia e o ir e vir dos pombos que moram nas caixas de ar-condicionado.
Uma avenida que quase nunca para, mas a praia é logo ali outra vez.
A moça do milho, o manobrista do restaurante, os cachorros e os seus donos.
Os velhinhos caminhando, um bem-te-vi, aqui e ali.
Esses dias, as luzes de Natal e uma certa nostalgia.
O som de buzinas e freadas.
Das vozes da vizinhança.
Do meu par dedilhando o teclado do computador ou o violão.

Eu ouço e danço.
Eu sempre dancei, desde pequenininha.

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