sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Era véspera de Natal.

Ele pegou os presentes e foi pro quarto da filha – nessa época, acho que era uma só – olhou pra mim com os olhos azuis mais bonitos e disse:

- Não diz pra ela que fui eu que coloquei os presentes lá não.

E não adiantou todo o esforço do meu pai em fingir surpresa ao ver o que a gente tinha ganho no dia seguinte. Tio Dudu me revelou um dos mistérios do Universo: Papai Noel não existe.

Muito me espantou ele nem desconfiar que eu ainda acreditava. Não lembro que idade tinha, mas era só dois anos mais velha que a filha dele.

Também me surpreendeu perceber que ele não me sabia tanto assim. Durante muito tempo, achei que me adivinhava. Não esqueço dos sustos que tomava quando ele aparecia na varanda – o apartamento dele era colado ao meu – bem na hora em que eu colocava a chupeta proibida na boca. Tinha que ser muito rápida pra tentar esconder embaixo da almofada do sofá.

Não sei o que aconteceu. Não sei porque a gente foi morar longe. Mas, cada visita enchia o coração da minha avó de uma alegria medonha. O nome dele era doce em seus lábios. Achava injusto que a minha mãe não recebesse o mesmo carinho. Nessa época, não sabia que a convivência maltrata o amor, não entendia de afinidades, nem de incondicionalidades.

Ele tocava violão. Ele dormia na rede. Ele fumava. Ele bebia. Ele sorria bonito. Ele tinha muitas namoradas. Às vezes, falava alto e conversava com a gente. Às vezes, ficava quieto e em silêncio. Não entendia porquê, até ver repetido em mim o mesmo comportamento.

Nunca gostei de ouvir coisas feias a seu respeito. Pra mim, eram tão claras as escolhas, assim como o direito a elas. E queria que ele soubesse que eu sabia, queria que ele soubesse que era a favor de ser o que se quisesse ser.

Sempre foi um estranhamento pra mim, ele me pedir que estivesse mais perto, que fosse mais carinhosa e demonstrasse os sentimentos de afeto e ternura de um jeito que não me era possível. Achava que ele entendia das diferenças das gentes e de como cada um lida com o Outro de uma forma absolutamente única. De como não podia ser com ele, como era com as outras pessoas, porque ele não era como as outras pessoas, ele não é.

Agora, ele tá ali naquele hospital. E é engraçado como tudo parece mais fácil, mais simples, mais claro, apesar do difícil que é. Sinto que ele olha e me vê. Assim, completamente, como eu o vi toda a vida. Aí, eu fico feliz, mesmo quando triste. Penso que a vida se revela mágica, quando a gente menos espera.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Parece que não tem mais jeito.

Dizer “parece que não tem mais jeito” é muito otimismo da minha parte.
Uma esperança que, pelo que dizem, não tem mais razão de ser.
Mas, que não consigo abandonar.
É tudo muito doido e doído.
Não consigo nem pensar logicamente a respeito.
Porque os sentimentos chegam todos antes da razão.
É um tempo de espera.
Mas, de uma espera ruim.
Você acorda e pensa que tá tudo bem e lembra e tá tudo errado.
Absurdamente errado.
Não é tristeza que sinto, é assombramento.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Ontem foi difícil estar lá.

Ouvir as notícias que não eram boas e voltar pra casa como se a vida continuasse igual.
Dá um aperto no peito só de pensar no que está por vir.
Acho tão doído, tão impossível de agüentar.
De aceitar não, porque a vida é imprevisível mesmo.
A rotina salva a gente do desamparo.
Mas, essa proteção é absolutamente ilusória.
Não, não tô triste.
Os dias têm sido alegres até.
Só que quando paro e penso e lembro, a garganta seca e o coração acelera.
Dos aprendizados, não queria esse pra mim, nem pra ninguém.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Inspira. Expira.

E de novo, eu tenho esperança - dessas enormes - de que tudo vai dar certo.
Uma notícia, que ainda não é a desejada, mas que há de ser.
Porque ele merece.
Porque eu mereço.
E entrego - de (muito) bom grado - esse merecimento que é meu, pra ele.
É assim quando a gente ama total e incondicionalmente.
E eu amo.
E esse sentimento que começa aqui dentro, se espalha pelo mundo.

O vento, Tarso, o vento sopra a favor.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Dos aperreios.

Já tinha aquele, o mais grave.
E a única coisa que posso fazer é aprender a conviver com o peso-enorme do problema.
Vou tentando e conseguindo e não conseguindo pra conseguir de novo ali na frente.
O dia todo, todo dia.
Porque não passa.
Alivia, mas não passa.
Vezenquando, penso que não vou aguentar.
Depois, sigo a vida.
Vou tentando e conseguindo e não conseguindo pra conseguir de novo ali na frente.
Fora os aperreios pequenininhos, que não são tão pequenininhos assim.
Aperreios de tempos atrás, que não se resolvem, que não resolvo.
E vão aumentando feito aquele problema maior, o mais grave.
Melhor nem pensar nisso...
Vou tentando e conseguindo e não conseguindo pra conseguir de novo ali na frente.
Aí, ele me liga e me assusta com a possibilidade mais indesejada.
Não desabo, porque é uma possibilidade.
Mas não durmo, porque é uma possibilidade.
E lembro de tudo e quero tudo e desisto de tudo.
O jeito é me concentrar no agora e deixar esse aperreio pra quando chegar a hora.
Se chegar a hora.
Vou tentando e conseguindo e não conseguindo pra conseguir de novo ali na frente.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

A saia da moça tinha uma fita roxa.

E era coisa bonita de se ver. Ela andava apressada, puxando a filha pelo braço, sem nem se dar conta de como a fita roxa da sua saia me fazia sentir um calor contente no peito. Tudo era agora. O pensamento preso naquele exato instante. Um respiro. De alívio.