terça-feira, 20 de novembro de 2012

Amigo-taxista

Olhe, essas clínicas só fazem atrapalhar o trânsito do Recife. Tudo atrapalha o trânsito do Recife. Mas, ô povo pra fazer exame, viu? Faz exame todo dia. Tem cliente que eu levo toda semana pra fazer exame. E resolve? Resolve nada. Morre tudinho. Morre de todo jeito. Eu não sei nem a cor de médico. Médico já veio falar besteira pro meu lado e eu disse: "doutor, se médico resolvesse algum problema, médico não morria". Mas, morre, não morre? Num instante ele se calou. Mas, não é verdade? Médico morre! Todo mundo morre. Aí, o pessoal fica aí, tudo fazendo exame e é tudo podre por dentro. Tudo com essas doenças pesadas. Hoje, mesmo, eu tava ali comendo pão com bacalhau. Salgadinho, uma delícia. E o pessoal come? Come não. Pode não. É tudo podre por dentro. E ficam me dizendo: "tu vai comer isso, rapaz?", eu como é de tudo! Pão com bacalhau, salgado ainda. Agora, tem gente que gosta de roupa de marca, relógio de marca... Eu não. Faço questão disso, não. Mas, comer, eu quero comer o que eu quero. Vou na feira logo cedo, compro o peixe novinho, levo pra casa, dou um grau. Faço no coco... Roupa não, eu visto qualquer coisa. Tem gente que anda só com roupa de marca e passa fome. Shopping mesmo, eu nunca fui. Eu não vou comprar nada mesmo, é um negócio só pra dar água na boca do sujeito. Quando a lua tá grande, ficam aqueles barquinhos ali, já viu? Ficam ali pegando siri mole. Eu vou lá e pego logo um balde. É 30 reais. Eu dou 30 reais. Siri mole, bem molinho. Afe Maria, chega tô me lembrando. As patas ficam tudo assim se trocando. Tudo molinha. A senhora sabia que essas sardinha que vem assim... essas sardinha era comida de pobre? Era! Agora não. Fazem até prato fino. Resultado, ficou caro. Feito bacalhau. Bacalhau era comida de pobre. O pessoal chega ficava mangando quando sentia o cheiro... Mas, agora, bacalhau é comida de rico. O quilo 27,99. 28 reais. Queijo do reino. Queijo do reino é o queijo que eu mais gosto. A marca boa é borboleta. Bota assim na geladeira, chega fica resseco. Teve uma vez que eu tava com um cliente de Cuiabá, Cuiabá, por ali, aquelas áreas. Tava ele e a mulher, que ele vinha trabalhar, mas vinha passear também, né? Ir pra praia... Aí, no último dia, eu ofereci a ele comprar bolo de rolo ali na Casa dos Frios. Rapaz, ele ficou doido. Comprou uns sete, oito bolo de rolo. Quando ia embora, me deu uma sacola e disse: "esse queijo é pro senhor tomar uma". Eu agradeci, botei aí no carro e pronto. De noite, cheguei em casa e falei pra mulher: "mulher, pega ali o queijo que eu vou tomar uma ali na venda". Quando ela pegou, disse: "não, esse queijo aqui, tu não vai levar não. Tu sabe quanto foi esse queijo? 170 reais". 170 reais, um jeito assim de casca grossa, marrom, com uns buracos. Sabe qual é? Pronto, é esse! Eu pensando, pronto, ganhei o queijo e é a mulher que manda. Ela disse pra eu levar queijo de coalho mesmo... Eu disse "tá certo, deixa esse queijo aí pra gente tomar café". 170 reais, um queijo. Já pensasse? Agora, bom viu? Pizza, eu também gosto de fazer. Massa fina. Não é essa massa grossa que venda nas pizzarias não! Nas pizzarias, eles passam só um pincel de molho e queijo. É só massa. O meu, eu pego pão novinho, pego um copo americano, espalho na forma, massa fina e faço uma portuguesa que não tem igual. Minha filha até diz: "pai, o senhor devia botar uma pizzaria". Mas, uma pizza dessa que eu faço, o povo não ia querer pagar, porque o povo quer pagar só 10 reais. Pizza de borracha, uma lapa de massa, 10 reais. A minha portuguesa vão querer pagar a mesma coisa. Vai ser prejuízo.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Depois da tormenta, silêncio.

Um alívio. Meu sossego. Uma benção. Portas e janelas abertas para o sol entrar. O sol e o vento, que corre livre pela casa. Tudo que ouço, tudo que quero ouvir é o som da minha respiração. Hoje, o meu universo sou eu. Giro ao meu redor e danço. Danço esse silêncio e não há canção mais bonita.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Amigo taxista.

Eita, Boa Viagem... A senhora escolheu a pior hora. Olhe, eu só vejo piora nesse trânsito. E nem pense que vai melhorar, porque não vai. Lá em Suape mesmo, tem não sei quantos carros, tudo num navio, esperando pra desembarcar. E não pode demorar muito no navio não, viu? Porque o navio paga o tempo que passa no porto, sabia? Eeeeeé, feito avião. Avião também paga ao Aeroporto. Se atrasar 10 minutos, paga é muito dinheiro. E, olhe, essa semana roubaram a minha carteira de motorista. Quer dizer, roubaram não, furtaram, que foi dentro do carro. Aí, eu tive que ir lá no Detran e o que tem de gente, de jovem tirando carteira, minha amiga, não é brincadeira! Fora o pessoal motorista de ônibus, de táxi, de caminhão, tudo cheio de multa... Minha mulher foi lá no Detran e disse que o que mais tinha era esse pessoal... A senhora dirige? Por que? Gosta não? Ah, a minha esposa é o seu contrário. Ela é doida pra dirigir, tá fazendo auto-escola. Mas, eu vou lhe dizer uma coisa: esse pessoal de auto-escola só ensina a fazer prova, porque a dirigir não ensina é nada. Coloquei ela no carro pra ver e depois eu disse: "minha filha, você ainda tem que aprender e é muito!" Mas é afoita, ela. Tem medo não. E tem muita vontade de dirigir. E vontade já é 60%. Aí, ela tem essas duas vantagens, né? Quer e não tem medo. Vai pelo meio dos carros, nem parece. Quer tirar carteira. E precisa. No trabalho dela tem que dirigir carro ou moto. Mas, ela é nova e quando a pessoa é nova aprende logo. Tem 27 anos. Eu, tenho 43. Olhe, a senhora tá dando sorte, viu? Tá até andando. Quero ver é quando chegar ali naquele shopping novo. A senhora já foi no shopping novo? Já? Pois, olhe, sabe quando é que eu vou entrar lá? Nunca! Não sei se a senhora soube, mas a inauguração foi a coisa mais desorganizada do mundo! Não tinham organizado o trânsito, não tinham organizado lá dentro, 25% das lojas estavam ainda fechadas... Agora, sabe por que isso? Porque esse homem não é bobo, minha filha! Marcou uma data e pronto, quis nem saber! E os lojistas que pagaram uma fortuna pra estar ali, tiveram que abrir de todo jeito! Quem não conseguiu, se lascou. Minha mulher foi lá na inauguração. A senhora foi na inauguração? Ainda bem! Na parte da comida, tinha refrigerante quente, sanduíche frio e você só podia pagar em dinheiro e dinheiro trocado! Cartão não pegava. Mas, tinha que abrir, né? Que esse homem não é bobo. Ele, esse Batista... Homem assim é muito inteligente! Pra ganhar esse dinheiro todo tem que ser muito inteligente e inteligente de saber ganhar dinheiro, que é diferente. A senhora já viu o prédio dele? É uma lapa de prédio. E é tudo escritório dele, viu? Não é outra coisa não! É um prédio todinho só de escritório dele. É a central. Mas, lá dentro do shopping eu soube que é lindo! Minha mulher disse. Mas, por mim, não vou lá é nunca. E imagine agora que vai chegar o Natal! E esse trânsito, como é que não vai ficar, hein? Meu Deus! Coisa de doido. Mas, a senhora vê assim, vê esse trânsito, esses carros tudinho e pensa que eu me incomodo? Me incomodo não. Eu não sinto é nada. É que eu já trabalhei em São Paulo. 12 anos. Trabalhei lá como motorista. Motorista de segurança, motorista de senhoras, motorista de ônibus, motorista de caminhão. Tinha um amigo meu que dizia: "lá na tua terra é tudo na peixeira" e eu respondia que muito pior era em São Paulo. Aqui, a gente ainda espera, ainda dá a vez pra alguém passar. Lá não. Minha patroa mesmo disse: "olhe, aqui você tem que fazer tudo certo, tudo com coerência, mas não pode ser bobo". Lá é assim, colocou a cara do carro, vá. Não espere não, que ninguém vai lhe dar a vez. Eu ganhei um dinheiro lá. Trabalhei num ônibus que era bem dizer um cassino. Tinha jogo, dois andares... Agora, eu trabalhava muito. Mas, ganhava muito também. Trabalhava e ganhava. De gorjeta. Parava assim, numa churrascaria e eu procurava logo o responsável e dizia: "tem 64 pessoas pra almoçar aqui e então?", ele respondia: "a gente dá o seu almoço, o almoço do seu parceiro e mais uma porcetagem aí". Resultado, saia com 200, 300 reais. Uma boladinha! Tanto é que chegava o fim do mês e eu nem olhava meu salário. Dizia: "deixe aí, que eu tô me virando com as gorjetas". E ainda tinha as diárias, que a empresa dava. Mas, o pessoal sabia que motorista desenrolado tira o seu por fora. Pensão era a mesma coisa. O pacote não tinha hotel? Eu arranjava uma pensão e quando ia embora, a dona já chegava com o dinheiro pra mim. Tinha gente que queria quarto normal, quarto com ar-condicionado e tudo isso eu ganhava. Só que fechou. Deu não. A senhora tá vendo que eu só vou pela faixa que anda mais, né? A pessoa tem que ser assim como eu. O trânsito tá ruim, mas tem muito motorista ruim também. O jeito é ir se virando. Por exemplo: atrás de ônibus não anda, atrás de caminhão não anda, atrás de mulher se arrumando não anda até ela terminar o salão dela, atrás de velhinho dirigindo não anda e se apitar ele fica logo nervoso, atrás de fusca não anda. Tem que ir reparando, analisando essas coisas. Senão, fica parado. Eu vejo assim uma faixa, vejo outra e vou só me ligando. Tá vendo que nenhum carro passou o sinal amarelo? É que tem uma câmera bem atrás da senhora. Numa casinha. A gente chama casa de pombo. Só pra multar. O pessoal já sabe e para. Se tiver no meio do caminho, o cara vai. Mas, se fechar e ainda tiver do lado de cá, não adianta, que não dá tempo. É multa! Agora, moto tem demais, né, não? Olhe de cada 10 motoqueiros, tem 01 responsável. Meu filho tem moto. E eu disse a ele "filho, eu lhe dou tudo, dou até a roupa do meu couro e fico nu, mas pra essa sua moto não dou é nada". Mas, ele foi lá e comprou. Menino bom danado. 23 anos. Uma benção. Não bebe, não joga, não dança. Só é muito namorador. Mas, é da idade dele. E um rapaz bonito, alto. Agora, ele comprou uma de 300, que ele é de cilindrada. E ainda não é a que ele quer! A que ele quer mesmo é de 600... Eu fico é preocupado. Hoje mesmo, eu vi três mortes só de moto. É muita morte, minha senhora. Eu tava era contente que meu filho tava no exército, achei que ela ia seguir carreira, mas ele disse que era muita gente pra mandar e pouca pra obedecer. Eu queria que ele ficasse ou tivesse um trabalhinho certo, folgando sábado e domingo. Mas, ele agora inventou de ser taxista. Acho que foi porque eu disse a ele que sair do exercíto não adiantava, porque quem tem chefe tem general...

passa, mas fica.

sempre que ele descia as escadas para me abrir a porta, era um baque no coração. tum-dum! um susto. um desmantelo. um quase aperreio, só que bom. aí, tinha aquela casa grande demais. o sofá, o violão, a grade da varanda. as pessoas indo e vindo, a gente indo e vindo. falta de estar em. falta de estar sós. falta de tempo de ser e de aprender o outro. vrummm! um baque. um susto. um desmantelo. um quase aperreio, ruim que só.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Deve ser essa casa.

O piso de madeira, as paredes de cor-nenhuma, os azulejos. Deve ser essa casa, as portas e janelas pesadas. O jardim sem flor. A nesga de céu que se avista. Deve ser essa casa e os seus metros quadrados cansados. Parêntese no tempo e no espaço. Teia de aranha, poeira e cupim. Antigo mal disfarçado. O ar denso, tenso. A dificuldade de respirar. A rotina esmagadora dos dias.

Eu não sei escrever.

Se soubesse, lhe escreveria uma carta. Uma carta comprida, em papel pautado. Eu lhe escreveria uma carta com a letra mais bonita. Feito caderno de caligrafia. Talvez, lhe desenhasse um coração. Um coração traspassado por uma flecha. As nossas iniciais. Isso é romântico. Eu não sou romântico, nem sei escrever, mas ainda posso lhe mandar flores.

sábado, 10 de novembro de 2012

Doida, só pode.

Risca paredes, bate portas, deixa o telefone tocar. Uma, duas, dez vezes. Grita e diz que a culpa é minha. Há culpa. Há angústia e esse aperto no peito. Deita na cama e olha para o teto. Às vezes, canta. Inventa uma dança. Assanha o cabelo e vai pra rua. Da varanda acompanho os seus passos. Olha porque me sabe e sorri, xeque-mate. Fecho as janelas, abaixo as persianas, apago as luzes. Por favor, não volte. Volta. O seu perfume se perdeu no caminho. Cheira a cigarro e cerveja. Adivinho o seu Carnaval. Mas, amanhã, querida, é quarta-feira de cinzas.